EDITORIAL: Quando a morte não respeita as idades


Acabo de chegar duma viagem de 400 quilómetros. Ironia do destino. Uma hora antes havia passado no mesmo local onde o meu jovem amigo Nuno Plácido Salta (e uma criança) perdeu a vida ao início desta manhã. Tinha chovido e confirmo que o piso estava escorregadio e perigoso. MMM



Há mais de meio ano que andava com os meus familiares a preparar a festa do 90º aniversário da minha tia Eulália que decorreu hoje no Seixal (Setúbal). Tudo preparado ao pormenor para que a alegria e a boa disposição não faltasse. Levei a viola.
O almoço de aniversário estava marcado para o restaurante Cacilheiro, nada mais nada menos do que um barco atracado no Tejo.

Estava sentado num banco de jardim em frente ao barco à espera do início da festa quando o jornalista do Jornal de Notícias, Carlos Rui Abreu me telefonou pedindo ajuda para elaborar uma notícia da morte de um jovem de Vizela.
Conforme a nossa idade vai avançando, vamos perdendo os jovens de vista e os seus nomes podem-nos até nada dizer, mas os apelidos do Nuno (“Plácido “ e “Salta”) não são muito comuns e só poderiam indiciar que era o filho dos bem conhecidos Manuel Plácido e da médica e vereadora municipal Maria do Resgate Salta.

Uma festa preparada há tanto tempo e é esta a notícia que recebo à entrada do barco-restaurante. E sou eu que vou ao fundo. E vejo-me obrigado a disfarçar a tristeza que me invade para a minha irmã Ana Maria (amiga pessoal da Drª Resgate) não perceber que na nossa Vizela mora a dor. Deixá-la viver este dia de festa. Depois saberá.

Só penso neles - nos pais e na Ritinha irmã do Nuno - e como a vida é tão cruel e injusta. Naturalmente, de igual forma estou solidário com a família da outra criança que perdeu a vida no mesmo acidente, mas a dor é tanto maior quanto as pessoas enlutadas nos são mais próximas e os familiares desta criança não os conheço.

O Nuno fez parte de um vasto grupo de jovens que recebemos no Notícias de Vizela no tempo em que trabalhei neste jornal pois faziamos questão que a sede do mesmo devia ser um local de apoio à juventude. E foram dezenas os jovens que, tal como o Nuno, foram recebidos de braços abertos e tiveram todo o apoio com vista a formatarem a sua vida rumo ao futuro.

Como todos os vizelenses, estou em estado de choque.
Vizela é uma espécie de pequeno habitáculo onde nos conhecemos uns aos outros. E nos cruzamos em acenos de alegria. Anteontem a Drª Resgate abriu o vidro do carro para me saudar quando descia a avenida dos bombeiros, no dia seguinte foi o Manuel Plácido que me acenou de dentro do carro do António fotógrafo ali pela beira do inerte Casino Peninsular. Quem de nós poderia imaginar que um ou dois dias depois, cairia o manto da desgraça sobre esta honrada e admirável família e sobre todos nós vizelenses, seus conterrâneos, vizinhos e amigos?

É verdade que a morte não escolhe idades, nem dias, nem hora, mas nunca ninguém está preparado para ela e suas consequências bilaterais.

Penso no Nuno (rapaz de educação esmerada, solidário e com uma paz enorme no seu sorriso) e vejo trespassar na minha memória outros jovens que me levaram a escrever (com os olhos banhados em lágrimas) palavras similares: o António Cabanas, o Jorge Antunes, o Cláudio Vale, o Jonas Veiga e outros que a morte também não venceu.

Sim, porque a morte não faz ninguém desaparecer. Frequentemente encontramos os jovens que partiram: numa flor, no cantar do rio Vizela, numa noite estrelada, num beijo duma mãe e nas lágrimas que nós próprios brotamos. Lágrimas de saudade mas também de amor porque a vida sem amor é que é a verdadeira morte.

Dizem que a maior dor do mundo é a perda de um filho. Foi esse o maior sacrifício que Deus exigiu a Maria.
Até sempre Nuno, um beijinho doutora, Ritinha, e uma forte abraço Manuel Plácido.
Vocês não mereciam esta tragédia! De forma nenhuma!
Nós também não.

MANUEL MENDES MARQUES

jornal@digitaldevizela.com

Partilhar