QUIM BERTO ao Desportivo: Lidei com muitas pessões

«Não concordo com a opção pelo amadorismo (do FC Vizela), com treinos à noite, porque entendo que o clube tem condições para mais. Um plantel da 2ª Divisão não é tão caro quanto muita gente pensa e estamos a falar de um clube com história. Faz-me alguma confusão perceber como é que eles vão conseguir conciliar os treinos de todas as equipas à noite» - Ex-treinador do Vizela, na época finda, fala ao jornalista Abel Sousa do Desportivo de Guimarães, de comportamentos problemáticos de alguns jogadores que integravam a equipa vizelense.


QUIM BERTO FALA SOBRE A SUA EXPERIÊNCIA NO VIZELA
“Lidei com muitas pressões
mas hoje sou muito mais treinador”
O treinador vimaranense fala, desassombradamente, sobre as dificuldades que encontrou no seu
ano de ‘baptismo’ e assegura estar disponível para um projecto mais arrojado.

ABEL SOUSA
A estreia como treinador foi positiva, tendo em conta que o objectivo seria cumprido, mas numa época de tremendas dificuldades?
Antes de mais, vi-me na contingência de ser treinador quase do dia para a noite. Depois de ter terminado a carreira de jogador, tive um ano de estudo, de muita leitura e conhecimento e fiz alguns cursos de aprendizagem. Fui convidado para treinar o Vizela, por intermédio do Braga, e de maneira alguma poderia rejeitar. Fi-lo com agrado, mais ainda porque sabia o clube que ia representar. Foi uma oportunidade única que, ao fim de 10 meses, me valorizou imenso.

Algumas das coisas que aconteceram no decurso desse tempo não estavam minimamente nas previsões?
De maneira alguma. Tinha 22 jogadores do Braga e 5 do Vizela. Partindo do princípio de que se tratava do clube-satélite, a qualquer altura poderia ficar privado de alguns elementos, caso o Braga assim o entendesse. Isso aconteceu várias
vezes durante a época...

Com mais regularidade do que seria desejável?
Sim. O Braga teve muitas lesões e viu-se na contingência de recrutar jogadores no Vizela. Se eu já tinha dificuldades para fazer um onze bom, quanto mais dois. Quando era privado dos melhores jogadores, só quem trabalhou com eles poderia perceber das dificuldades que passámos.

Foi sobretudo isso que teve reflexos no rendimento da equipa?
Claramente. Até meados de Dezembro, o Vizela estava no 3º lugar e as coisas corriam regularmente.
Os jogadores tinham assimilado o que lhes passámos nos primeiros meses de trabalho com alguma dificuldade, é certo, mas assimilaram.
O problema é que, quando estavam no patamar que exigíamos, houve essa alteração de planos, com jogadores solicitados pelo Braga.
Tornou-se muito difícil, a partir daí, manter o ritmo desejável.

A qualidade do plantel não fazia prever que o Vizela lutasse pela permanência até ao último minuto, ou havia mais desequilíbrios do que aparentava? Era um plantel muito desequilibrado. Tinha jovens irreverentes, que estavam lá para aprender
- muitos deles no primeiro ano de seniores - mas a grande dificuldade não se situava no plano técnicotáctico, mas antes no factor comportamental.
Não é fácil mudarmos as mentalidades da juventude de hoje. Por muito que quiséssemos e que insistíssemos, por muito que tentássemos motivá-los, a verdade é que não foi fácil. Muitos pensam que nesta profissão se não é hoje, pode ser amanhã, mas na realidade não devemos deixar para amanhã aquilo que podemos fazer hoje.

O treinador do Vizela teve de lidar com pressões vindas do Braga no que toca às escolhas
feitas?
Claro que tive. O Vizela tinha o objectivo de manter-se na 2ª Divisão, enquanto o Braga pretendia
a valorização dos seus activos. É evidente que o Braga desejava que o protocolo terminasse com o Vizela seguro na 2ª Divisão, mas tive de lidar com duas vertentes diferentes.
Estou curioso em saber o que acontecerá na próxima equipa B do Braga, nomeadamente quantos
jogadores lá ficarão.

Apesar de tudo, todas as partes ficaram a ganhar? O Vizela tem passado nos últimos anos por grandes dificuldades e não tenho a menor dúvida que vai
continuar a passar. Com o Braga a pagar aos seus jogadores, o Vizela tinha as despesas mínimas. Por
isso, este protocolo foi bom do ponto de vista financeiro, servindo inclusivamente para que o clube
pudesse resolver alguns problemas do passado. Agora o Vizela vai projectar o seu futuro doutra forma, ainda que seja uma forma com a qual não me identifico. Quanto ao Braga, naturalmente valorizou os seus activos, como pretendia. Eu, como treinador, também saí mais enriquecido desta experiência.

Porque é que não se identifica com o caminho que o Vizela preconiza? Não concordo com a opção pelo amadorismo, com treinos à noite, porque entendo que o clube tem
condições para mais. Um plantel da 2ª Divisão não é tão caro quanto muita gente pensa e estamos a falar de um clube com história. Faz-me alguma confusão perceber como é que eles vão conseguir conciliar os treinos de todas as equipas à noite.

O Quim Berto faz uma interrupção na carreira de treinador ou está disponível para abraçar outro projecto? Da parte do Vizela não houve nenhum convite, mas depois do trabalho que lá fiz e por todas as
dificuldades passadas, creio que hoje sou uma pessoa completamente diferente da que era há 10
meses atrás. Ambiciono um projecto melhor do que aquele que tive na última época, disso não duvido minimamente.

Sente-se mais preparado para enfrentar desafios mais exigentes? Doutro calibre. Tive a meu lado colaboradores fantásticos, que me ajudaram nos momentos mais
difíceis, e só temos que continuar o nosso caminho num projecto mais aliciante.

ATENTO A JOVENS VALORES
“A disponibilidade para ajudar o Vitória é total”

Continua a ser um observador atento, nomeadamente na procura de jovens valores? Esta é a minha vida. No ano seguinte a ter terminado a carreira, falei com o então vice-presidente do Vitória Paulo Pereira e, sem compromisso nem à procura de emprego, disse-lhe que estava disponível para ajudar o clube a encontrar talentos.

Essa disponibilidade mantém-se? Claro. O Vitória é o meu único clube. Nunca confundi simbolismo com profissionalismo – na época passada trabalhei indirectamente para o Braga e tenho que agradecer essa possibilidade que me deram – mas para o único clube do qual sou sócio, a disponibilidade é
sempre total.

Há excelentes jogadores em campeonatos menos mediáticos? Sem dúvida. Na última época tive o privilégio de ver jogar um atleta
que, curiosamente, até faz parte dos quadros do Vitória. O Josué, que
jogou no Chaves, tem grande valor. Treinámos várias vezes com o
Penafiel e o Paulo Oliveira é outro caso de grande qualidade. Está na
altura do Vitória cair na realidade e pôr estes activos na montra. Só
assim conseguirá sair das dificuldades em que se encontra.

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