Colégio Vizela em Estrasburgo

Viagem narrada por Inês Vilas Boas


A ansiedade estava ao rubro, tínhamos aterrado, finalmente. Aguardávamos pelo comboio que nos levaria ao centro da cidade. Esperavam por nós no hotel. O clima era de expectativa, as conversas entre os adultos, as brincadeiras das crianças, as fotografias dos primeiros momentos e eis que surge o cenário de boas-vindas - o arco-íris. Estrasburgo recebe-nos com cor e magia, como só um arco-íris sabe receber.

É com este encanto que chegamos à estação de comboios de Estrasburgo e apanhamos o nosso primeiro Tram até ao hotel. De imediato, as crianças correram para os quartos para verificar ao pormenor cada canto. Tínhamos chegado, realmente.
Restabelecidos da viagem e já de mapa na mão, estava na altura das primeiras explorações. O jantar transformou-se num pretexto para deambular pela cidade. Caminhámos pela Petit France, recantos que se não retirados de um qualquer livro de histórias de encantar, serviu certamente de inspiração para umas tantas. Ao resto da cidade este deslumbramento estende-se a cada passo. Cenários perfeitos, em cada esquina um episódio possível, por cada praça uma descrição preciosa, e um final feliz, provavelmente, nas tranquilas águas do rio L’ill.

Foi precisamente no rio L’ill que se iniciou o nosso segundo dia. Palco de uma viagem de barco pela cidade, comprovamos o acordo entre a natureza e o Homem. Rio que circunda a cidade de Estrasburgo é ao mesmo tempo o seu centro. Tudo parece nascer daí. A fertilidade é evidente na vegetação que se harmoniza com a arquitetura de influência alemã. As varandas floridas contemplam L’ill, as pessoas respiram a tranquilidade daquele que as envolve, os monumentos erguem-se em seu cumprimento. E nem a chuva, nem o frio daquele dia tiram o encanto de Estrasburgo... O sol brilhava no coração. Perante a Catedral, chega o espanto de todos. Construção imponente, detalhadamente recortada, e no seu interior majestosos vitrais, o Pilar dos Anjos, o Monte das Oliveiras, o relógio de Christian Herlin... 263 anos de construção, pedaços de diferentes tempos conjugados numa peça de magnitude superior e 332 degraus subidos com trocas de sorrisos e palavras de alavanque.

O cansaço em momento algum foi entrave e estava na hora de encontrar mais sobre a história daquele lugar. Foi, então, o Musée Alsacien que nos deu os costumes, hábitos, estilos de construção e organização social e possibilitou-nos reacender um tempo, um lugar, vidas que por breves momentos puderam ser as nossas. Espontaneamente, o contraponto entre culturas surge pelo espanto e admiração das crianças que comparam tudo o que veem ao cantinho que as viu nascer.

Anoitece e sem grande esforço de atenção se percebe que nem nos momentos de puro lazer a aprendizagem cessa. Com o segundo jantar chega também o “cumprir do currículo”. De facto e naturalmente o “currículo nacional” cumpre-se e as crianças começam a fazer contas ao dinheiro, jogos de adições e escolhas aleatórias, troca de saberes, arte que surge de um simples papel de caderno, truques de magia, perder coisas... Ups! Perder coisas?! Sim, adultos e zelosos que somos, aproveitávamos cada acontecimento para os ver crescer. Tentámos que percebessem a responsabilidade do transporte em segurança dos nossos pertences através do relembrar de um esquecimento de uma mochila, que acontecera horas antes. Agora, era um telemóvel que quase ficava esquecido num restaurante. O mesmo discurso, os mesmos sorrisos de alívio, a mesma sensação de proteção, mas... com toda a certeza, não o último episódio. E assim aprendemos e assim ensinamos, umas que acontecem atrás das outras e que servem sempre para nos fazer crescer.

Pela manhã do terceiro dia, dirigimo-nos a Alemanha. Pela Pont d’Europe (em francês) ou Europabrücke (em alemão), estes dois países dão as mãos e fazem-nos sentir o quanto as fronteiras são meras convenções humanas. O rio que banha a margem de Kehl é o mesmo rio que banha Estrasburgo. Outrora palco de batalhas de conquista e defesa, de trocas comerciais, contrabando, fugas e encontros escondidos, agora corre tranquilo enquanto o atravessamos com as duas bandeiras nas mãos.
É ainda nesta reflexão que a nossa mente é convidada a abrir-se à inteligência, humor e criatividade de Tomi Ungerer. No Museu com o seu nome, a escultura do jardim de entrada ilustra silenciosamente este convite.

Já nas galerias descobrimos os seus comentários às mudanças sociais e políticas desde a segunda metade do século XX até aos dias de hoje, e descobrimos-lhe também as ilustrações fantasiosas de histórias que a infância agradece.
Analisamos diferentes técnicas de ilustração, a construção mecânica das personagens que decidem ganhar vida, o trabalhar de cada imagem no preenchimento de cenários que destaquem e não engulam o centro do palco. As crianças sentiram-no tão intensamente que o resto do dia foi passado com blocos e lápis na mão, riscos, rascunhos, desenhos, palavras. Chegam assim ao seu pensamento: “Je dessine ce que j’écris, et j´écris ce que je dessine...” - Tomi Ungerer. E cumprem-se pessoas, diria eu, quando desenharem o que vivem e viverem o que desenham.

Ainda embebidos pelo espírito criativo, chegamos, no quarto dia, ao Musée d’Art Moderne et Contemporain. Pintura, escultura, ilusões de óptica, maquetes de construções emblemáticas... Gustave Doré, Jean Arp, Vitor Brauner e César Domela, mas também Monet, Rodin, Liebermann, Picasso, Kandinsky, Paul Klee, Marx Ernst. Cor, forma, textura, retas de régua e esquadro, linhas de lápis em curva e ainda os alertas contemporâneos sobre a sociedade que produzimos. Uma peça, múltiplas visões. Em forma de arte surge, então, a atenção para o que vemos, o que ouvimos, o que nos esperam e o que esperamos nós, surge o foco nas questões que parecem percorrer a contemporaneidade: Quem somos e quem faz de nós aquilo que parecemos ser?

O tempo passou veloz e começamos as despedidas da cidade em diversão. Um carrossel do século XIX alimentou uma vez mais a emoção infantil e provocou mais uns tantos sorrisos (para juntar aos milhares que imaginamos já pertencer à sua história de vida). E é assim, com alegria e uns miminhos de lembrança para as famílias, que regressamos a casa.

Desde o primeiro arco-íris, aos músicos de rua, às línguas múltiplas que por nós se cruzaram, aos vendedores de flores que perfumavam a cidade, passando pelas refeições partilhadas e não esquecendo os olhinhos nas pontas dos dedos (sim, porque por mais “ne peut pas toucher” que ouvíssemos, crianças são crianças e o toque apreende o mundo de forma única), enfim, a vida de Estrasburgo acarinhou-nos os sentidos. Aprendemos e aprendemos sobretudo como é bom aprender.
A cada viagem, a cada cultura, a cada nome, a cada cheiro, a cada som, a cada segundo sou mais convicta de que o Mundo é a nossa escola.
Au revoir. Inês Vilas Boas

- Na próxima 6ª feira, os 9º anos, de madrugada, partem para Londres, regressando domingo à noite - informou Carla Batista ao ddV.

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