Carta de Macau

O vizelense ARMINDO VAZ, a viver em Macau há 25 anos, enviou-nos uma carta onde relata o bom exemplo ali dedicado ao coronavírus e a sua opinião sobre os passos que Portugal pode e deve dar no combate a esta pandemia. Vale a pena ler.



"O Corona virus pode ser vencido. Mas é preciso coragem e auto-disciplina

Macau, onde vivo e trabalho há 25 anos, conseguiu curar os 10 casos de coronavirus que aqui apareceram e esteve mais de um mês sem qualquer caso positivo.
Está aqui um bom exemplo para Portugal seguir, tomando as medidas que são necessárias.
Para aqui chegar foi necessária muita coragem, determinação e disciplina nas decisões tomadas:
Pela primeira vez, encerraram-se os casinos, de longe a principal fonte de receita do Território. O mesmo com os bares, discotecas ou casas de massagens;
Encerraram-se as escolas. Os alunos foram convidados a utilizar ferramentas online através das quais fazem os trabalhos indicados pelos professores;
Fecharam as igrejas. Foram disponibilizados serviços online através dos quais os fiéis podem acompanhar diariamente a santa missa e outras celebrações. Só depois de um mês inteiro sem novos casos, as igrejas abriram durante a semana, para celebrações com menor número de fiéis e mesmo assim com um apertado controlo: só entra uma pessoa de cada vez, sempre com máscara, desinfecta as mãos com gel e os sapatos com outro desinfectante. Só depois entra e é convidado a sentar-se longe dos outros fiéis. Ao Domingo, porque reuniriam mais gente, continuam encerradas, sendo as missas transmitidas via online;
Os serviços do Governo reduziram-se ao mínimo indispensável. O uso da máscara tornou-se obrigatório na rua ou nos serviços. Ninguém entra em Macau, ou em qualquer serviço público sem máscara, sem medir a temperatura e sem preencher uma declaração online sobre o seu estado de saúde e os países que visitou nos últimos 14 dias.
As pessoas foram aconselhadas a ficarem em casa, a reduzirem o contacto social, a não se juntarem. Mesmo para ir ao supermercado, deverá ir apenas uma pessoa por família e só quando necessário, não todos os dias;
Nunca faltou nada nos supermercados, nem mesmo alimentos frescos;
As máscaras foram fornecidas a um preço justo e controlado a todos os residentes, de 10 em 10 dias;
Todos os dias às 5 horas da tarde há uma conferência de impressa onde estão todos os responsáveis da equipa de combate à epidemia e que inclui os responsáveis da saúde, segurança, educação, economia, turismo, etc. para fornecer o ponto da situação e para prestar todos os esclarecimentos necessários, não dando azo a boatos;
Foram criadas linhas de apoio à revitalização da economia, nas quais se inclui uma verba para cada residente gastar, por dia, no comércio local, a partir de Abril...
Não há dúvida nenhuma que o Governo de Macau está de parabéns!
Se o Governo de Portugal fizer outro tanto, certamente irá colher os mesmos resultados.

Compreendemos que Portugal não disponha de recursos para providenciar os mesmos meios de combate à epidemia, o que nos leva a pensar que é necessário outro tipo de política.
Não é aceitável que os recursos públicos sejam delapidados, desapareçam milhares de milhões de Euros dos Bancos, tenha sido destruída a Portugal Telecom, talvez a melhor e mais lucrativa empresa portuguesa, e não se encontrem responsáveis nem se recuperem esses recursos que tanta falta fazem ao País, nomeadamente para a saúde, educação, investigação, etc.;
Não podemos ver a dívida do País a crescer indefenida e eternamente, ficando nós e as gerações vindouras dependentes dos chamados “mercados” e de mãos atadas para emergências como esta que agora nos bateu à porta;
Não é seguro que se importe 86% do trigo que diariamente se consome em Portugal. O mesmo se diga em relação a outros bens essenciais. Num cenário de crise, como o que vivemos, ficamos nas mãos de mercados que estão a milhares de kilómetros de distância, em situação de procura acrescida e eventual escassez;
Não podemos deixar morrer indústrias tradicionais, como a textil, que durante décadas, se não mesmo séculos (no tempo do Afonso Henriques já se pagavam tributos em linho), deram o pão a milhares de famílias. Admira-me, por exemplo, que essa mesma indústria não seja capaz de produzir as máscaras que tanta falta fazem no combate a esta epidemia. Não me parece que seja de difícil produção, e o produto estaria automaticamente vendido.
Oxalá o bom senso e a disciplina que se impõe prevaleçam, para que a luta contra este inimigo invisível seja breve e tenha sucesso.
Saibamos todos tirar as ilacções que a vida nos oferece, mesmo nas situações mais difíceis.
Boa sorte, Portugal!

ARMINDO VAZ, Macau.

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