A vindima do Tozé é que é


Há mais de duas décadas que diversos vizelenses, incluindo músicos amadores, são convidados de honra, como os demais, daquela que é, talvez, a vindima mais ícone do País. (com vídeos)

O vizelense Amadeu Fernandes, chefe do CNE de S. Miguel das Caldas, encarrega-se de formar a equipa sem esquecer os músicos. 

Situada no concelho da Póvoa de Lanhoso, mais concretamente em Barbeito-Arrrifana, a 'Quinta do Tozé', dispõe de pouco mais de 30 bardos de videiras, verde tinto, mas que faz ver ao mundo da vitivinicultura em questões de preservação duma arte tão peculiar no Norte e simultaneamente fortalece a amizade de quem sente cada amigo dentro do seu coração. 

Começando às 8 horas, sempre a uma segunda feira, a faina está terminada aí pelo meio dia. Ou seja, pouco mais demora que um jogo de futebol...com descontos. 



Se a colheita se estender por mais de uma hora é porque as videiras carregam mais uvas ou a chuva, que às vezes também é vindimadora, aparece. 

Aqui importa contabilizar o tempo extra porque às dez horas já o Tozé chama os homens para o primeiro lanche do dia... ou da manhã, melhor dizendo. 


Homem alto, dinâmico e com a enorme simpatia que caracteriza os romeiros de S. Torcato, vila tão arreigada às tradições da Terra de onde o anfitrião é natural, serve bacalhau frito e panados quentinhos acompanhados de boroa e regueifa que a simpática esposa Martinha, faz chegar da 'Pastelaria Tozé' estabelecimento que esta família detém no centro da Póvoa de Lanhoso desde 1988. 

Em S. Torcato o Tozé dispõe de outro estabelecimento de família a Casa de Pasto da Passarada perto do imponente Mosteiro.


Acompanha o repasto matinal uma 'receita' ou seja, vinho com cerveja ou algo mais leve para não pesar muito as pernas no regresso à vinha.

O lanche decorre numa espécie de eira, onde antigamente secavam cereais e em mesa patriarcal.

Na segunda feira os vindimadores quase todos acima do meio século de existência, outros com mais de 60 e mais alguns para além dos 70, mas que ainda se tentam, praticamente todos reformados de longas canseiras, eram 17.


As contas são fáceis de fazer: 17 homem a beber logo pela manhã, continuando a abrir-se garrafas num reforçado almoço de tripas à moda do Porto pelo meio dia; a digestão ainda a laborar e já o grelhador lança para a mesa os mais diversos grelhados, seguindo-se um jantar de rojões e logo depois sopa de pedra, doces e frutas, o vinho vindimado pouco sobra. É assim há quase 30 anos. 

Tozé quer que a sua vindima seja uma cópia dos tempos antigos em que, recorda, os agricultores punham mesa farta para saciar quem carregava pesados escadotes, grandes cestos de vime a esbordar de fartos cachos e à noite tinham de ir ao lagar pisar as uvas. Uma canseira!

Chegam os amigos de Vizela, sete desta vez (Amadeu, Luís,  Manuel Barateiro, Francisco Teixeira, Dinis Alberto, Marques e Fernando); da Póvoa de Lanhoso, de S. Torcato, de Vieira do Minho e de outras localidades que o Tozé Macedo trata como irmãos. Distribui-se o arsenal: tesouras, bonés  baldes com guincho, cestos, luvas, etc.

Enquanto se vindima ouve-se o roncar do porco cuja corte fica ao lado das videiras. As cadelas Mia e Luna também 'participam' na faina agrícola abanando o rabo em sinal de encorajamento aos homem que de tesoura de poda em punho cortam trepe a trepe cada cacho. Também há dolentes gatos pretos a vaguear pela vinha. As galinhas, umas 30, foram atacadas há por dias por um cão e pelas águias. Desapareceram.

Futebol à parte, que é assunto que não se discute neste dia em que se colhe a bonança divina, o tratorista diz que nem quer ouvir falar em águias e toupeiras, os verdadeiros inimigos, duma criação de 100 bicos que tem por ali perto: as águias, umas dez já as contou a planar, insensíveis ao som de um rádio que põe a tocar 24 horas por dia para as confundir com presença humana, atacam frangos, patos, faisões e o que  mais for por via aérea enquanto do subsolo, ágeis embora cegas. as toupeiras atacam via terrestre. A lei da sobrevivência. 

A tarde é de lazer, há jogo de cartas, conversas, mais uma garrafa e canta-se. A cantoria entre pela noite dentro numa simbiose de alegria no meio de sopa ou caldo a ferver.

Da mesma forma que a Maria da Fonte, daquela Póvoa de Lanhoso, terá sentido o cansaço e o dever cumprido após a célebre Revolta do Minho, uma revolta popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista presidido por António Cabral, também Tozé e Martinha mais os filhos Cláudia, Joana e José Luís sentem o prazer de completada mais uma vindima.

"Bendito sejais, Senhor, Deus do universo, pelo vinho que recebemos da Vossa bondade, fruto da videira e do trabalho do homem" e bendito também por gente tão boa e admirável, por este  pretexto para um inesquecível convívio, pelo preservar das tradições pela amizade, convívio e alegria. 

Enquanto se ouve a Maria a cantar o fado acompanhada pelo Henrique, num tom mais abaixo ouve-se o vinho ferver no lagar sob a bênçãos de Baco deus do mitológico.

É a vida que a renovar-se com um aceno de 'até para o ano'.






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