Poesias Dispersas
CARTA A MIMI
Eu desejava, açucena,
Para te escrever a ti,
Que alguém me desse uma pena
Da asa d'um colibri,
E fosse uma cotovia
Por essa amplidão sonora
Molhar-ma ao romper do dia
Na tinta fresca da Aurora,
Tinta vermelha e doirada,
Com que Deus fez de improviso,
Há séculos a alvorada,
E há meses o teu sorriso.
Depois, quando à tarde
o sol Mergulha na imensidade,
Pediria a um rouxinol
Da minha antiga amizade.
A um rouxinol, que em junho
Vem sempre aqui de visita,
Que me escrevesse um rascunho
D'uma carta tão bonita,
Tão mimosa e tão saudosa,
Que tu julgasses, ao lê-a,
Que era d'um anjo a uma rosa,
Que era d'um lírio a uma estrela!
Ah, como a palavra zomba
Da ideia!
Desisto, amor!
É o mocho a escrever à pomba;
É o verme a escrever à flor,
Quisera palavras cerúlas,
Com a inocência infantil,
E o mimo doce das pérolas,
E a graça tenra d'abril;
Quisera versas, harpejos,
E rimas d'oiro a cantar,
Como um trinado de beijos
N'um jasmineiro ao luar;
Quisera expressões e frases,
D'um sentimento extra-humano,
Cheirando a orvalho, a lilases
E a rosas de todo o ano,
Expressões d'uma inocente
Candura intacta d'arminho,
Virgens como a água corrente
E azuis como a flor do linho.
Mas não há verso, nem rima,
Nem arte alguma, Mimi,
Que do fundo d'alma exprima
O amor que eu te tenho a ti.
Pois como hei de eu concentrar
Esta saudade, esta mágoa
N'um verso?...como há - de o mar
Caber n'uma gota d'água?!
Oh, é tal esta saudade,
E é já tão grande o desejo
De te ver, que na verdade
A toda a hora eu te vejo,
Quando no azul transparente,
Envolta em cândido véu,
Assoma divinamente
A aurora o pudor do céu,
Lembra me essas setinosas,
Mimosas faces vermelhas,
Que dariam sangue às rosas
E mel doirado às abelhas.
Quando vou pelos caminhos,
Verdes como madrigais,
E oiço o murmúrio dos ninhos
Gorjeando entre os sinceirais,
Eu cuido que és tu, Maria,
E essa ilusão não me espanta:
Um berço que balbucia
É igual a um ninho que canta!
Se vejo (cabeça Louca!)
As frescas rosas singelas,
Confundo-as com a tua boca
E vou-me aos beijos a elas.
Quando passa uma criança,
Contradição singular!
Vens-me tu logo à lembrança,
E fico a rir... e a chorar.
Entre as silvas e os abrolhos
Há miosótis de setim,
Que eu julgo serem teus olhos
Que estão a olhar para mim.
Nunca de ti me separo,
Quer ande longe, quer perto:
Tu és o sol sempre claro
E eu sou o olhar sempre aberto.
Em tudo o que a amar convida,
Em tudo que nos seduz,
Na infância aurora da vida,
Na aurora infância da luz.
Em tudo eu vejo disperso
O teu retrato, Mimi:
Deus espalhou no universo
O amor, reuniu-o em ti!...
Caldas de Visela - 1883.
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