O Meirinho-Mor de Vizela


João Gomes de Oliveira Guimarães, Abade de Tagilde, em 1894 na Memória Histórica Descriptiva de Tagilde, a propósito das vias de comunicação faz referência aos Paços de Lourosa para o qual a ponte das Taboas ou Pinguellas de Lamelas lhe dá acesso. 

Esta ponte das Taboas é a ponte Velha e os Paços de Lourosa uma antiga casa senhorial completamente desaparecida. É explicado que são também conhecidos por Paço Velho e que foram de Rui Vasques Pereira, que segundo Pinho Leal em Portugal Antigo e Moderno, as pedras que restaram foram aproveitadas pelos vizinhos. 

Abade de Tagilde 

Mais recentemente, em 2007, o Jornal Diário do Minho publicou vários suplementos dedicados ao património histórico de Vizela e no seu suplemento de 28 de Junho dedica uma página ao Paço Velho.  O artigo fala numa lenda em que nos Paços de Lourosa aconteceu um crime de bestalidade, testemunhado pelo Conde de Almada e cometido pela sua mulher e um cavalo. Foi na sequência deste acontecimento que o Conde matou a mulher e o cavalo, mandando de seguida arrasar a casa até nada mais restar para assim nada haver que testemunhasse o que vira. 

Não conseguimos colocar nos Paços de Lourosa o Conde de Almada, cujo 1º titular foi D. Lourenço José Boaventura de Almada que viveu entre 1758 e 1814. Contudo, está amplamente documentado que os Paços de Lourosa foram de Martim Fernandes Pimentel que morreu na quinta de Lourosa em Santo Adrião nas margens do rio Vizela. Martim Fernandes Pimentel, ou Martim Fernandes de Novaes terá sido o primeiro da família a receber o sobrenome de Pimentel, o qual o recebeu do rei D. Afonso III pelo seu feitio colérico ficando frequentemente com o rosto e o nariz vermelhos como pimenta.   

Martim Fernandes de Novaes foi cavaleiro ao serviço do rei de D. Fernando III de Castela e esteve no cerco de Sevilha em 1248, mas antes disso serviu Sancha Martins de Riba de Vizela uma rica-dona casada com Gonçalo Rodrigues, que estaria enfermo. Pouco tempo depois de enviuvar Sancha Martins tem um filho com Martim Fernandes de Novaes. Ambos casaram em segredo sete meses depois. Em 1220 havia a obrigação legal de esperar pelo menos 1 ano após viuvez para voltar a casar. Nasce dessa relação Vasco Martins Pimentel que foi meirinho-mor de Portugal de Afonso III e D. Dinis. 

Os meirinhos eram uma espécie de magistrados a quem competia fiscalizar e fazer cumprir a lei. Vasco Martins Pimentel era homem conhecido por ser destemido e de grande valentia e terá sido uma das razões pelas quais fora escolhido. Normalmente existiam 2 meirinho-mor, mas no seu tempo apenas Vasco Martins exerceu a função, estendendo a sua responsabilidade todo o reino, sendo conhecido por se envolver em muitos confrontos físicos, passar o tempo no terreno e ser pouco frequentador da Corte. Por outro lado, ele não seria muito apreciado nos corredores palacianos pois há relatos de ser frequentemente acusado de bastardia. 

No Nobiliário das Famílias de Portugal é contado que D. Vasco Martins andando no paço d’el-Rei foi injuriado por dois fidalgos dizendo-lhe que era bastardo. Ele escandalizado, deu duas punhaladas e tirou um olho a um deles e abraçando-se ao outro, caíram ambos de uma janela abaixo. Mais tarde, em outra ocasião foi novamente injuriado a quem ele terá atirado a um poço. O Meirinho-Mor também se terá incompatibilizado com D. Dinis, que segundo o investigador Bernardo Vasconcelos e Sousa em os Pimenteis, Percurso de uma Linhagem da Nobreza Medieval Portuguesa, o terá feito em defesa da sua honra. D. Vasco Martins Pimentel, que foi um dos homens mais influentes do reino, foi em consequência preso por dois anos e, em 1280 refugia-se em Castela levando consigo 250 cavaleiros e coloca-se ao serviço de Afonso X. Morre pouco tempo depois em 1283, havendo relatos castelhanos de que a sua baixa muita falta fez às fileiras de Afonso X.   

As dúvidas da bastardia deste destemido cavaleiro, juntamente com as desconfianças sobre o seu pai por ter ascendido na fidalguia podem ter dado origem à lenda de que já fizemos referência no início deste artigo, correndo de que era filho de um cavalo. 

Não temos evidência de que a passagem para Castela de D. Vasco Martins Pimentel possa ter sido a razão do abandono dos Paços de Lourosa, mas sabemos que os seus bens ficaram indivisos durante 35 anos. A sua divisão aconteceu em 1318 por imposição régia, consequência de Aldonça Vasques, monja do mosteiro de Arouca, que, não obstante não figurar nos nobiliários mediáveis seria filha do segundo casamento de Vasco Martins Pimentel com Maria Gonçalves Portacarreiro. Neste documento régio eram referidos 19 herdeiros, um dos quais Gonçalo Pereira, seu neto e que viria a ser Arcebispo de Braga. Os bens foram distribuídos em lotes, registados em bolas de cera e tirados à sorte por todos os herdeiros. Neste texto da revista Hispania de 2007, da autoria de Bernardo Vasconcelos e Sousa, não encontramos referência a quem calhou a quinta das margens do rio Vizela, a qual Manuel de Souza da Silva cantou dizendo: 

“Junto do rio Visella 

Se vêem Santo Adrião 

O Paço Velho e o chamam 

Solar da illustre; e bella  

Dos Pimenteis geração” 

 Curiosamente, também encontramos uma Cantiga de Escárnio e Maldizer dirigida ao cavaleiro Fernão Vasques Pimentel, que era filho de Vasco Martins Pimentel e que foi com este para Castela, voltando mais tarde e reabilitando-se junto do rei D. Dinis. É destas voltas que a cantiga faz escárnio. 

“El foi comprado três vezes, 

Ogano, de três senhores, 

E bem sabem os melhores 

Ca nom há mais de seis meses; 

Ca el tem que todavia 

Há de poiar em contia, 

Em panos ou em tomeses. 

Finalmente, para concluir, no dito artigo de 2007 do Diário do Minho, a Quinta de Lourosa é “colocada” na quinta do Paço Velho em Alfaxim na freguesia de Santo Adrião, nas proximidades do que hoje é a rua do Paço Velho. Pensamos que não há dúvidas de que assim seja; no ponto mais alto de um outeiro nas margens do rio Vizela, voltado e com amplo campo de visão para o núcleo da freguesia de Santo Adrião e que, com a limpeza paisagística próprias da idade medieval, mais deveria alcançar, muito provavelmente já muito perto das fraldas das terras de Riba Vizela e, conforme João Gomes de Oliveira Guimarães, próximo da ponte das Taboas. 

Texto de Jorge Miranda 


 


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