Depósito de aluvião em Santo Adrião pode ser registo de um paleocanal


Por JORGE MIRANDA. 

Recentemente, em Santo Adrião de Vizela, depois das obras de abertura da ligação entre Alfaxim e a Ponte Velha, rasgado o terreno agrícola, ficou a descoberto um depósito de seixos.

Podemos descrevê-lo como uma camada com cerca de 100 centímetros de altura e a 50 cm de profundidade. Os seixos estão numa matriz arenosa e são de dimensões diversas desde pequenos, com 2 a 5 centímetros de diâmetro, até maiores que se estima de 20 a 25cm. Sem um padrão de distribuição vertical claro, mas com concentração horizontal de elementos maiores, estão depositados em material arenoso e não se verifica a formação de conglomerado.
Registamos a coincidência deste depósito se encontrar em terrenos próximos do rio Vizela, na margem esquerda e próximo do lugar de Lagoas na margem oposta. Também fazer referência que se encontra a vários metros acima do leito do rio, possivelmente uns 5 metros.

Procuramos literatura que nos orientasse quanto à origem do topónimo Lagoas, contudo nada encontramos. Não obstante, aventuramo-nos em associar alguma relação, até porque, recorrendo às nossas memórias de tenra infância, em terrenos da família a poucas centenas de metros do local, na sequência do aplanamento de terreno de monte para agricultura e construção, era frequente retirar da terra seixos que ao longo dos anos acabaram por desaparecer. Recordamo-nos de ouvir o nosso pai dizer que por ali já tinha certamente passado um rio.

Sem mais nada e apesar do parco conhecimento de geologia, deitamos mão a uma curta pesquisa da qual destacamos dois textos científicos. O primeiro; “Evolução da Linha de Costa, Em Portugal, desde o último máximo glaciário até à actualidade: Síntese dos conhecimentos”, de J.M. Alveirinho Dias, Aurora Rodrigues e Fernando Magalhães incluído em Estudos do Quaternário, I; APEQ, Lisboa 1997. Neste documento é referido que o nível médio da água do mar há 20 mil anos estava a menos 140 metros. Depois foi subindo consistentemente, sendo que entre os 13 e os 12 mil anos, a subida aconteceu muito rapidamente. Terá havido depois um ligeiro recuo, para voltar a aumentar consistentemente até aos dias de hoje. Desde há 3 mil anos houve uma estabilização, ainda que se tenha registado uma descida entre 1882 e 1920.

Uma primeira consequência é a de que a linha de costa estava muito mais afastada em direção a Oeste, estaria, pois, próximo do atual limite da plataforma continental portuguesa e os icebergs passariam em frente à costa. Portanto, há 20 mil anos os rios eram mais extensos e o seu declive maior. Também o clima era mais frio e as chuvas mais prolongadas e intensas, o que tornava os rios mais rápidos e caudalosos.

   

Como exemplo, o rio Neiva e o rio Homem seriam um único rio.

O segundo; “O Minho?... Tem mais de 500 Milhões de Anos de História da Terra” de M. Isabel Caetano Alves, publicação da Universidade do Minho em 2004, é feita referência a paleorios, ou seja, antigos cursos fluviais que existiram em épocas passadas, muitas vezes fossilizados ou preenchidos por sedimentos, e que podem ser identificados através de estudos geológicos e geomorfológicos. Como exemplo, o rio Neiva e o rio Homem seriam um único rio. O rio Minho por exemplo, desaguava a norte de Santa Tecla.

Falta-nos conhecimento e tempo para aprofundar a investigação. De qualquer maneira, voltando ao depósito encontrado em Santo Adrião podemos tentar concluir que o facto deste material estar depositado a pouca profundidade e não ter formado conglomerado, sugere que a deposição é recente e que não houve tempo de cimentação. As formas e dimensões, relativamente, grandes, sugerem a deposição de aluvião fluvial com correntes fortes, pois a intensidade teria de ser suficiente para arrastar pedras cujo peso poderá ter uns 5 a 10kg. Por outro lado, a seleção granulométrica variada aponta para episódios de transporte rápido e deposição súbita, frequentemente associados a cheias ou antigos canais fluviais. Por fim, a altura da camada também sugere uma deposição intensa.

Compreender a evolução do vale e o papel dos rios na modelação da paisagem local

Claro que não são mais do que conclusões empíricas que pretendem acima de tudo sinalizar uma formação geomorfológica que não é comum e que seria merecedora de análises sedimentológicas, datação dos materiais e cartografia geomorfológica, para melhor compreender a evolução do vale e o papel dos rios na modelação da paisagem local

Finalmente, quem hoje passa nas margens do Vizela, dificilmente imagina que há milhares de anos, o rio, ou outro curso de água que de certa maneira tenha estado na origem do Vizela, correria mais violentamente e caudaloso, por um terreno com uma morfologia certamente diversa daquela que conhecemos.




 


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